quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Iluminismo - Fé na razão e a valorização da ciência


“O Iluminismo é a saída dos homens do estado de minoridade devido a eles mesmos. Minoridade é a incapacidade de utilizar o próprio intelecto sem a orientação de outro. Essa minoridade será devida a eles mesmos se não for causada por deficiência intelectual, mas por falta de decisão e coragem para utilizar o intelecto como guia. 'Sapere aude!' 'Ouse usar seu intelecto!' é o lema do Iluminismo.”

Assim o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) definiu esse movimento filosófico que se estendeu das últimas décadas do século 17 aos últimos decênios do século 18, em especial na França, Inglaterra, Escócia e Alemanha, embora sua influência tenha se expandido até o Novo Mundo.

As luzes da razão

Essa linha filosófica se caracteriza pelo empenho em estender a razão como crítica e guia a todos os campos da experiência humana. Nesse sentido, ela pretende levar as luzes da razão às trevas da ignorância e do obscurantismo e compreende três aspectos diversos, mas relacionados entre si:

• extensão da crítica a toda e qualquer crença e conhecimento sem exceção;
• realização de um conhecimento que, por estar aberto à crítica, inclua e organize os instrumentos de sua própria correção;
• uso efetivo do conhecimento assim atingido com o fim de melhorar a vida privada e social dos homens.

Vamos analisar casa um desses aspectos em particular.

Princípios racionais de governo

O Iluminismo (...) questionava os fundamentos do poder absolutista e procuravam estabelecer os princípios racionais do governo e da organização social. Da mesma forma, evidenciando a importância dos sentimentos e das paixões na conduta do homem, buscam novos pilares para a vida moral do homem.
Essa atitude crítica do Iluminismo expressa-se principalmente em sua hostilidade à tradição, que considera a força mantenedora das crenças e preconceitos que deveriam ser destruídos. Para os iluministas, tradição e erro coincidiam. Apesar de essa tese poder parecer exagerada hoje, não se pode esquecer que foi graças a ela que se venceram os poderosos entraves que a tradição impunha à livre pesquisa.
O segundo aspecto a ser destacado no Iluminismo é que ele inclui o empirismo, ou seja, considera um atributo do conhecimento válido o fato de poder ser posto à prova. Essa atitude empirista garante a abertura da ciência e conhecimento em geral à crítica da razão, pois consiste em admitir que toda verdade pode e deve ser colocada à prova, sendo eventualmente modificada, corrigida ou abandonada.

Valorização da ciência

É essa atitude do Iluminismo que elevará a ciência (no sentido que essa palavra tem hoje) ao primeiro lugar na hierarquia das atividades humanas. A física - sistematizada primeiramente na obra de Isaac Newton - é considerada pelos iluministas como a ciência mãe ou como a "verdadeira filosofia". O Iluminismo também será decisivo para afastar a química da alquimia e assinalar as etapas fundamentais do desenvolvimento das ciências biológicas, com a obra de diversos naturalistas.
Se os resultados obtidos pelas ciências dessa época - séculos 17 e 18, vale recordar - já foram ultrapassados nos dias de hoje, cabe ressaltar que eles puderam ser questionados e corrigidos pelo próprio compromisso fundamental do Iluminismo de não bloquear a obra da razão em nenhum campo e em nenhum nível, considerando todo resultado incompleto, provisório e passível de ser corrigido.

Revoluções republicanas

Finalmente, o Iluminismo inclui o compromisso de se utilizar a razão e os resultados que ela pode obter nos vários campos de pesquisa para melhorar a vida individual e social do homem. Politicamente, as idéias iluministas expressaram-se na Revolução Americana, de 1776, e Francesa, de 1789, que apresentavam como seu objetivo declarado a felicidade ou o bem-estar da humanidade.
Além disso, no plano social, o Iluminismo é responsável por duas concepções de fundamental importância para a cultura moderna e contemporânea: os conceitos de tolerância e de progresso. O princípio de tolerância religiosa além de colocar a necessidade de convivência pacífica das várias confissões religiosas, também foi responsável pela separação entre religião e Estado. Por outro lado, o compromisso de transformação iluminista leva à concepção da história como progresso, ou seja, como possibilidade de melhoria do ponto de vista do saber e dos modos de vida do homem.

Contemporaneidade

Não há dúvida de que o Iluminismo é a matriz do nosso mundo contemporâneo, principalmente pelo impulso que deu à ciência e a laicidade (não-religiosidade). Embora, de um modo geral, em sua maioria, cientistas e intelectuais contemporâneos prestem culto ao Iluminismo e considerem suas "conquistas" como progressistas e inquestionáveis, não deixam de existir correntes de pensamento que discutem essa avaliação: afinal, a ciência e a tecnologia não só não resolveram inúmeros problemas da humanidade, como também criaram diversos outros: basta lembrar das armas de destruição em massa, dos efeitos da poluição ambiental, da mudança climática, etc.
No âmbito de suma sociedade laica, em meio ao imenso potencial tecnológico e às imensas desigualdades sociais dos dias de hoje, não se pode deixar de considerar como conseqüências das Luzes do século 18 o relativismo moral, o individualismo, o hedonismo, o consumismo, que talvez mantenham o ser humano diante do mesmo obscurantismo que aquele movimento filosófico quis iluminar. Sob o ponto de vista existencial é possível falar em progresso num mundo em que ocorrem anualmente cerca de 400 mil homicídios e 800 mil suicídios, segundo estimativas das Nações Unidas?

Para você pensar

O filósofo contemporâneo inglês John Gray declarou numa entrevista à revista "Época" em 26/12/05:

"Os seres humanos diferem dos animais principalmente pela capacidade de acumular conhecimento. Mas não são capazes de controlar seu destino nem de utilizar a sabedoria acumulada para viver melhor. Nesses aspectos somos como os demais seres. Através dos séculos, o ser humano não foi capaz de evoluir em termos de ética ou de uma lógica política. Não conseguiu eliminar seu instinto destruidor, predatório. No século 18, o Iluminismo imaginou que seria possível uma evolução através do conhecimento e da razão. Mas a alternância de períodos com avanços e declínios prosseguiu inalterada. A história humana é como um ciclo que se repete, sem evoluir."

• Você concorda com ele?
• Como você relaciona a afirmação de Gray ao que você leu aqui sobre o Iluminismo?

Autor: *Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação.

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